quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Críticas de fora repercutem mais no Brasil, diz editor da 'Economist'

Críticas de fora repercutem mais no Brasil, diz editor da 'Economist'

Michael Reid | Foto: Divulgação
Jornalista diz que governo deve reconquistar a confiança dos empresários brasileiros
O editor de Américas da revista britânica The Economist, Michael Reid, diz em entrevista à BBC Brasil que as recentes críticas da publicação ao governo brasileiro tiveram uma repercussão maior no país porque vieram "de fora".
Reid está em São Paulo para o evento Brazil Summit 2013, organizado pela Economist, que reúne especialistas nesta quinta-feira para discutir os novos motores e desafios para o crescimento econômico do país.
O jornalista, que morou em São Paulo entre 1996 e 1999, elogia a presidente Dilma Rousseff pelo caráter "democrata", mas diz que ela também foi motivo de decepção. "Ela é uma técnica, mas, neste momento, acho que o pais precisa de muita habilidade política."
Na entrevista à BBC Brasil, Reid fala ainda de um livro que está escrevendo sobre o país e deve ser lançado em 2014 com o provável título de Brazil: The Troubled Rise of a Global Power ("Brasil: A Ascensão Problemática de uma Potência Global", em tradução livre).
Mas o autor revela ainda ter dúvidas sobre o título: "Não quero que soe pessimista". Leia abaixo a entrevista à BBC Brasil.
BBC Brasil - Há quatro anos, em sua reportagem de capa, a Economist disse que o Brasil estava "decolando", mas agora afirma que o país pode ter "estragado tudo". O que aconteceu?
Michael Reid - Temos acompanhado o Brasil de perto por muitos anos e achávamos - como os brasileiros - que o país estava bem encaminhado com o Plano Real, a abertura da economia e as reformas econômicas. E quando entrou, Lula optou por manter tudo isso e também fez políticas sociais mais ambiciosas e necessárias, além de algumas reformas microeconômicas importantes.
Então o Brasil passou bem pela crise financeira mundial, mas depois começou a sair um pouco dos trilhos. Em parte, porque em todo o mundo as forças por trás da onda de crescimento começaram a se esgotar. Mas acho também que o governo tirou a lição errada da crise, de que a solução está no capitalismo de Estado, como diz o Consenso de Pequim (apelido dado ao modelo chinês de crescimento, que envolve princípios de abertura econômica e bastante intervenção do Estado na economia). Por isso, há um ânimo empresarial bastante negativo neste momento.
BBC Brasil – O que o Brasil precisa fazer agora para deixar de ser "só uma promessa", como disse a revista?
Reid - É imprescindível voltar a confiar plenamente na política macroeconômica, nesse tripé de responsabilidade fiscal, superavit primário e política monetária independente com câmbio flutuante. Isso é o básico. Além disso, um sinal de que o governo reconhece que não é a solução de todos os problemas econômicos seria muito bem visto pelos empresários.
O Estado corporativo e regulador ainda está muito vivo no Brasil. Acho que um Estado moderno – que pode ser socialmente responsável e ter como meta vencer a desigualdade – também pode dar autonomia às agências reguladoras, e não intervir o tempo todo. Ele pode fixar as regras em diálogo com a sociedade e deixar as agências fazerem seu trabalho. E se concentrar em melhorar a educação, a saúde, o transporte público.
"Nunca dissemos que o Brasil é um desastre, nem a Argentina, nem a Venezuela. Mas acho que o Brasil ganhou nos últimos tempos o direito de ser julgado como um país sério, e isso é importante"
Também é preciso ter um programa sério de investimento em infraestrutura. O que existe atualmente (o Programa de Aceleração do Crescimento) parece sério no papel, mas tem que ser sério na prática. Para mim, ainda é uma interrogação se este programa vai dar certo ou não. Até agora, temos visto mais problemas do que soluções.
BBC Brasil – Como exatamente o país pode investir em produtividade?
Reid - O famoso "Custo Brasil" é um clichê, mas clichês existem porque são verdades. Acho que a forma de incrementar a produtividade, em termos mais simples, é fazendo mais investimento de capital em qualificação de mão de obra e em tecnologia.
Mas em termos de políticas públicas, pode-se dizer que não se investe aqui neste momento, porque os custos são muito altos e as perspectivas do mercado são muito incertas.
Os elementos do alto custo são muito conhecidos no Brasil, mas nem por isso deixam de ser importantes: a infraestrutura é muito ruim, especialmente as estradas. É um problema que vem desde o século 19, mas o custo de não resolver isso é cada vez maior.
A carga tributária também é difícil. Há uma demanda justificada dos brasileiros por melhor saúde, melhor educação, melhor transporte público, tudo isso. Mas de onde virá o dinheiro? Ele não pode vir de uma carga tributária ainda maior do que a atual. Você tem que reformar o Estado.
BBC Brasil - A Economist foi criticada por pedir a demissão de Guido Mantega, e a própria presidente Dilma disse em seu Twitter que a revista estava "desinformada" a respeito da economia brasileira. Como o senhor vê a repercussão das reportagens no Brasil?
Reid - Muitas vezes não dizemos nada que já não se tenha dito muito aqui, mas porque alguém está falando de fora, repercute mais. Ficamos contentes quando as pessoas leem o que dizemos, mas, na realidade, não foi uma coisa pessoal contra o Mantega.
Estávamos chamando a atenção para o fato de que a economia ia mal e que a equipe econômica havia perdido a confiança dos mercados e dos empresários. Mantega estava fazendo prognósticos nos quais ninguém acreditava, e eu acho isso perigoso para o país. E há empresários brasileiros que acreditaram em uma recuperação, investiram em ações e perderam dinheiro.
"Acho que um Estado moderno – que pode ser socialmente responsável e ter como meta vencer a desigualdade – também pode dar autonomia às agências reguladoras e não intervir o tempo todo."
Todo mundo erra, mas eles erraram repetidas vezes, e nosso argumento era que, para recuperar a confiança dos empresários e ter o investimento que o governo quer, era preciso uma equipe nova com um enfoque novo.
Nunca dissemos que o Brasil é um desastre, nem a Argentina, nem a Venezuela. Mas acho que o Brasil ganhou nos últimos tempos o direito de ser julgado como um país sério, e isso é importante.
Para o Brasil ser um país desenvolvido, ser um país sem pobreza e com menos desigualdade, ele precisa continuar crescendo entre 4 e 5% ao ano. E ele pode fazer isso, mas não está fazendo porque tem essa série de entraves que ainda não desmontou.
BBC Brasil – A revista também afirmou que a presidente tem pouca capacidade de manobra econômica e política. Por quê?
Reid - Porque uma coisa é fazer reformas quando a economia está crescendo, e outra coisa é fazer isso quando a economia está em crise. Mas se a economia está estagnada, com um "Pibinho", você não tem nem o dinheiro para lubrificar a reforma, nem o sentimento de crise que também mobiliza as reformas.
As circunstâncias atuais são difíceis, mas também é uma questão de que a presidente Dilma não tinha experiência do mundo político antes de chegar ao Planalto. Mesmo os líderes políticos brasileiros têm criticado bastante a atuação dela como política. Ela é uma técnica, mas, neste momento, acho que o país precisa de muita habilidade política.
BBC Brasil – Mas há quatro anos a Economist disse que Dilma, por ser uma tecnocrata, estava bem preparada para lidar com os desafios do Brasil pós-Lula.
Reid - Acho que ela foi uma decepção para muitos. Ela tem qualidades, merece o crédito por ser uma democrata, por ter realizado ações no início do governo contra a corrupção e por ter respeitado a liberdade de expressão. Todos esses aspectos são muito elogiáveis.
Mas o governo federal continua crescendo como um aparato burocrático e tem uma base de apoio imensa, que cobra cargos e verbas. E não parece que ela tem uma visão de como reformar o Estado para que ele faça melhor as coisas que os brasileiros querem. Isso é um trabalho técnico e político.
BBC Brasil - Fala-se muito sobre a dificuldade de governar um país como o Brasil sem fazer acordos e coalizões. Como o senhor avalia que isso seria possível?
Reid - Há 20 anos, muitos cientistas políticos, sobretudo os estrangeiros, falavam que o sistema político brasileiro era uma bagunça e, no fim, não era. Ele funcionou muito bem, apesar de tudo, por meio da criação de um "presidencialismo de coalizão".
O problema agora é que esse sistema está distorcido demais. E o custo disso é cada vez mais alto, porque você tem cada vez mais partidos, e muitos deles não têm ideologia visível e têm um apetite voraz para o fisiologismo. Uma reforma política é necessária para que o Brasil passe para a próxima etapa, tenha um crescimento de qualidade e um Estado de qualidade.
"A melhor política industrial do Brasil pode estar na educação, e não no BNDES."
Acho que este sistema herdado da ditadura, de ter uma Câmara de Deputados em que um voto de São Paulo vale o mesmo que um voto de Roraima é um problema básico. Outro problema é a falta de um limite que ajude a diminuir o número de partidos. As questões de financiamento são outro tema problemático, mas o básico, para mim, é esse.
O Chile está no mesmo processo, então acho que o Brasil deve ficar de olho. Há um projeto de reforma do sistema eleitoral que está avançando no Congresso (chileno), e a presidente Michelle Bachelet – que, ao que tudo indica, vai ganhar novamente – quer empurrar o projeto adiante.
BBC Brasil - Em 2009, a Economist disse que o pré-sal poderia se tornar uma "maldição" para o Brasil, a depender de como o país administrasse com o dinheiro. Como o senhor avalia as decisões do governo sobre os royalties?
Reid - Como muitos, eu fico preocupado com a ideia de dedicar 10% do PIB à educação. Porque é verdade que é preciso gastar mais com isso, mas não é o caso de escolher um número assim. O percentual médio de gastos com a educação no mundo é de cerca de 5,8% do PIB.
Também é um problema do país que os professores possam se aposentar aos 50, 55 anos porque eles vão viver até os 80 anos, e uma porcentagem importante dos gastos com a educação vai para aposentadorias. E outra vai para a corrupção.
É preciso colocar mais dinheiro, mas é preciso reformar o sistema e formar professores melhores. Você tem que pagar os professores melhor, é claro, mas eles também têm que trabalhar (por mais anos).
A janela demográfica está se fechando, e o número de alunos nas salas de aula no Brasil vai diminuir nas próximas décadas – e vai ter cada vez mais dinheiro. Então os prefeitos vão tirar esse dinheiro para outras coisas.
BBC Brasil – De que maneira as instituições públicas e privadas podem colaborar para aumentar a inovação e a competitividade da indústria brasileira?
Reid - O Brasil tem uma base científica interessante que está crescendo, mas os especialistas daqui me dizem que há uma dificuldade legal para transformar a pesquisa das universidades em produtos para empresas privadas. É importante para a sociedade solucionar esse 'divórcio'. Há essa ideia de que privatizar um produto público é ruim, mas você pode privatizar para o bem da sociedade.
Estou terminando um livro sobre o Brasil, que me fez olhar muito para a história do país. E vi que, por trás dos sucessos empresariais de que todo mundo fala, muitas vezes tem uma instituição educacional.
A primeira empresa siderúrgica do Brasil foi a Belgo-Mineira, cujas origens estão na Escola de Minas de Ouro Preto, que foi fundada por d. Pedro 2º. O exemplo do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e da Embraer é muito conhecido.
Mas também há outros exemplos. Fui no ano passado a Santa Rita do Sapucaí (MG), que é o "Vale da Eletrônica" brasileiro, onde tem a Escola Técnica de Eletrônica. Isso é muito interessante. A melhor política industrial do Brasil pode estar na educação, e não no BNDES.

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